A Várzea do Sapucaí-Mirim em Pouso Alegre: interações entre o urbano e a urbanidade

A Várzea do Sapucaí-Mirim em Pouso Alegre: interações entre o urbano e a urbanidade

11/03/2019

Por Riobaldo

Geomorfologia representa o estudo das formas do relevo terrestre atuais bem como investiga sua origem e evolução.

A geomorfologia de Pouso Alegre conta com pelo menos dois elementos de fácil percepção na paisagem.

O primeiro elemento (2) que apontamos é a cadeia montanhosa que definem o horizonte da paisagem urbana - a Serra do Cantagalo.

O segundo compartimento (1) é a várzea rio Sapucaí-Mirim, que se conecta com os elementos montanhosos para formar o conjunto que, espera-se, traz longa memória afetiva aos concidadãos.

Apesar de a cidade estar avançando para a bacia do Ribeirão das Mortes (3) e além, e para a bacia do Cervo (4), nos parece que os elementos acima se manterão como ícones geomorfológicos pousoalegrenses.

Vide a referência desses lugares no Mapa 01.


É sobre a grande bacia do Sapucaí-Mirim e sua várzea que nos dedicaremos.

A bacia é a porção da paisagem que torna possível a compreensão da amplitude urbana da cidade. Ela representa um fôlego para a contemplação ao distanciar o horizonte e permitir que se observe tanto a linha distante deste como os detalhes e regiões da cidade. É também uma reserva ecológica, na acepção mais popular do termo, uma vez que dá suporte aos fenômenos hidrogeobiológicos que são únicos por se interligarem por meio das porções líquida e sólida da paisagem, servindo de suporte à fauna e microorganismos aquáticos, com prováveis reflexos no nível regional no que diz respeito à conservação de espécies como o jacaré do papo amarelo ou a lontra, entre tantos outros.

Lembremos sempre que os fenômenos ecológicos devem envolver também a vegetação, que depende sobretudo da conectividade dos seus remanescentes.

Por sua natural capacidade de abrigar e reproduzir os fenômenos ligados à vida, a várzea do Sapucaí-Mirim pode também revidar, por exemplo, com a proliferação de patógenos, se mal manejada ou abordada.

A ocupação da várzea do Sapucaí-Mirim para fins urbanos deve ser bem manejada e abordada para que no futuro não tenhamos desastres e alagamentos.

Em rápida pesquisa mental pode-se lembrar de exemplos de atuação infeliz ou desastrada no que se refere à ocupação de lugares similares.

Um desses casos é o plano de avenidas “Prestes Maia” que colocou grandes vias de São Paulo nas áreas mais baixas daquela cidade, áreas que os rios ocupavam nas cheias. Este foi o primeiro passo para produzir os eventos de exposição de elementos vulneráveis a risco de enxurradas e inundações que acompanhamos até hoje naquela cidade.

Não apenas lá.

Pode-se lembrar de grandes ou médias cidades como Belo Horizonte, Petrópolis, Teresina, Joinvile ou de cidades menores e próximas, como Santa Rita do Sapucaí e Itajubá.

Em nossa própria cidade já começamos projetos de ocupação sem muitos cuidados técnicos, que mostram problemas no presente, mas têm potencial de se avolumar no futuro. Os bairros como o Sangrilá, o São Geraldo e o Yara, já sofrem com os eventos de maior monta.

No futuro e com o avanço da ocupação nas proximidades do Rio Sapucaí-Mirim, como por exemplo a Av. Jaci Laraia Vieira (Av. da Receita), Av. Cel. Mauro Rezende de Brito e demais bairros ao longo da Avenida Perimetral, esses lugares sofrerão uma vez que o avanço de aterros se dá sem NENHUM controle urbanístico.

Tais locais irão se manter nas cotas menores que hoje se encontram, enquanto as áreas vizinhas continuam sendo invadidas pelos aterros. Nas épocas de saturação se transformarão em depósitos de água sem escoamento, implicando em gastos para reparação de danos, desvalorização dos imóveis, perdas materiais e aumento da vulnerabilidade às doenças pelo aumento de vetores.

No caso do Fátima III, Av. Ivo Gursoni e bairros no eixo Baronesa - Mart Minas o risco está associado à formação de aterros semelhantes na região pela trágica implantação da Avenida Dique III.

Por outro lado, a manutenção da integridade desses locais seria uma oportunidade para dar novo sentido ao vazio urbano, tornando-o multifuncional e alterando a cidade como um todo.

Em sua borda mais distante, existe a possibilidade de se implantar uma grande rótula de mobilidade urbana, dando suporte a diferentes modais, desde veículos leves como tradicionalmente ocorre em cidades médias, mas também para a implantação de um modal público de peças de maior porte ou até de vias ecológicas, como as ciclovias.

Vide Mapa 02 em que demonstra as vias de grande calibre de alta circulação no entorno da várzea.


Uma grande rótula de mobilidade urbana poderia se transformar em uma infraestrutura eficiente, com potencial de integrar as diferentes regiões da porção urbana da cidade, contribuindo para a formação e autonomia desses setores.

Vide Mapa 03 em que trabalha um hipotético modal de ciclovias interligando todo o município e dando mais sentido ao entorno.


Pouso Alegre exibe dinâmicas de ocupação que sugerem a formação de ao menos 5 regiões que poderiam ter entre si a característica de integração frente a elementos desagregadores representados pelas grandes rodovias, descontinuidade viária e setores sem integração: área de chácaras, centro velho, Distritos Industriais e de equipamentos de porte; eixo 459 Faisqueira e Cidade Jardim (desenho).

Vide em Mapa 04 essas regiões. Regiões articuladas ao longo do eixo 459 (amarelo), centro velho e novo (vermelho), áreas de chácaras (laranja). Perceba um vazio urbano entre as regiões destacadas. Este vazio é a várzea.


Este vazio urbano seguramente contribuiria para o desenvolvimento de ações de incremento da civilidade, da urbanidade e da cultura por meio da oferta de espaços públicos de fácil acesso. Representam estas possibilidades, entre outras, os eventos de natureza cultural, esportiva, de contato com elementos naturais, de convivência e pertencimento entre os cidadãos e o próprio espaço. Ao fim, uma maior integração urbana da cidade.

Lembremos que recebemos esta gama de possibilidades como ação de um grande cidadão que Pouso Alegre produziu: o Professor Fernando Bonillo. Suas teses avançadas em aplicação desde os anos 90 se constituem numa janela para o futuro, considerando as ditas tutelas difusas representadas pelo direito à urbanidade e à vida natural; incorporando uma visão estratégica de utilização do território. Na mesma linha, sempre se posicionou enérgica e criticamente no que diz respeito às dificuldades técnicas representadas pela empreitada ininteligente de cobrir o solo da várzea com terra, lixo concreto e asfalto.

Em resumo, ocupar a várzea do Sapucaí-Mirim com aterros é, pelas experiências já citadas, projetar para o futuro inundações e desastres para as populações e comerciantes do entorno. Por isso, é preciso aplicar inteligência, pensando, ao invés de aterros, em conservar o ecossistema ali presente, e utilizar suas potencialidades, como o exemplo de mobilidade que rapidamente propusemos.

Mais informações:

1. Saiba as áreas de risco em Pouso Alegre:
Acesse o seguinte endereço eletrônico (link):

http://cprm.gov.br/publique/Gestao-Territorial/Prevencao-de-Desastres-Naturais/Setorizacao-de-Riscos-Geologicos---Minas-Gerais-4880.html

Na página escolha a cidade de Pouso Alegre, e atente-se para as áreas na várzea.

2. Para entender o mal planejamento e como ele afeta o futuro, conheça sobre os antecedentes de São Paulo:

São Paulo: A cidade que não coube nos planos Por Camilo Rocha em 24 de janeiro de 2016. Disponível no link: https://www.nexojornal.com.br/especial/2016/01/24/S%C3%A3o-Paulo-A-cidade-que-n%C3%A3o-coube-nos-planos.

3. Leia o estudo da Profa. Luciana Rodrigues Fagnoni Costa Travassos com o título “Revelando os rios: novos paradigmas para a intervenção em fundos de vale urbanos na Cidade de São Paulo” em que pesquisa sobre as várzeas e o sentido de sua urbanificação. Veja o resumo: A partir da segunda metade da década de 2000, novas variáveis, de cunho ambiental, foram introduzidas nas políticas públicas que tratam da relação entre rios, várzeas e áreas urbanas na Cidade de São Paulo, resultando em uma mudança significativa na forma de entender a urbanificação dessas áreas, tanto em âmbito municipal quanto estadual. O objetivo desta tese é analisar o andamento dessas novas políticas públicas, em suas diversas escalas, dos planos aos projetos urbanos, observando as restrições e potencialidades que se apresentam ao seu desenvolvimento. É possível observar, a partir dos estudos realizados, que apesar de a abrangência das intervenções ainda ser pequena, há avanços nas políticas, o que indica que a relação estabelecida com o sistema hídrico no século passado está em processo de transformação. Contudo, permanece o caráter setorial das intervenções, resultando em ações muitas vezes incompletas, que respondem parcialmente às demandas sociais, ambientais e urbanas. Como resposta às questões colocadas pela análise, a tese sugere alguns parâmetros para o planejamento, implantação e gestão de caminhos verdes, parques lineares, ou outros espaços livres públicos em fundos de vale.

Texto completo disponível no seguinte link: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/90/90131/tde-22102010-104858/pt-br.php.

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